A inspiradora história de Getúlio Nascimento Barros prova que uma oportunidade pode fazer toda a diferença
Em janeiro de 2024, Getúlio Nascimento Barros, 44 anos, chegou ao CAPS Álcool e Drogas II Cidade Ademar em estado crítico. Egresso do sistema prisional, desempregado e enfrentando sintomas psicóticos devido ao uso abusivo de múltiplas substâncias, ele estava em situação de rua desde os 10 anos. No entanto, uma nova página em sua vida começou a ser escrita quando ele conheceu Daniel Nascimento, educador físico da unidade, que o introduziu ao mundo da corrida de rua.
A história dos dois teve início quando, após o acolhimento inicial, a equipe identificou a necessidade de acompanhamento intensivo devido ao seu estado geral de saúde bastante prejudicado e uso intenso de Substâncias Psicoativas (SPA). “Certo dia, solicitamos apoio ao Daniel, que o acompanhou na ambulância para ser inserido em acolhimento integral no CAPS AD III Campo Limpo. E foi nesse momento que os caminhos dos dois se cruzaram
pela primeira vez”, conta Maria Carolina dos Santos Cruz Pacheco, gerente da unidade.
A gestora relata que Getúlio estava enfrentando um momento difícil, com uso problemático de SPA, baixa autoestima e crítica bastante prejudicada. Após um período intensivo de duas semanas, ele retornou ao CAPS AD Cidade Ademar para dar continuidade ao seu tratamento, mas com uma nova perspectiva. “Percebemos uma melhora importante após sua acolhida integral, com aumento da sua percepção crítica do uso e melhoria em seu
estado de saúde geral. Nesse momento, reconstruímos seu Projeto Terapêutico Singular +para continuar seu cuidado em saúde e ressignificar sua história de vida, estabelecendo novas metas e desafios”, explica.
Devido à situação de rua de Getúlio e à indisponibilidade do dinheiro de seu benefício para alugar uma casa, a equipe local conseguiu inseri-lo na Unidade de Acolhimento Adulto Cidade Dutra (UAA1), um serviço de residência transitória onde o usuário pode ficar por até seis meses enquanto reestrutura sua vida. Durante as visitas ao CAPS AD Cidade Ademar, Maria Carolina conta que o paciente sempre chegava contente e participava de grupos e oficinas terapêuticas, incluindo atividades físicas no território. “Nesta fase, ele já demonstrava um grande apreço pela atividade física e estava claramente se esforçando”, conta.
Juntos em suas rotinas, Getúlio e Daniel acabaram criando um vínculo. O educador físico criava desafios para testar as habilidades físicas do paciente, por meio de disputas físicas, como flexões de braço, abdominais e barra fixa no portão. Foi quando Getúlio sugeriu correr de sua casa (UAA1) até o CAPS AD diretamente. O desafio foi aceito e combinado para quinta-feira, 20 de junho, às 9 horas da manhã. “Existem coisas que apenas o vínculo
terapêutico é capaz de fazer. Getúlio estava sendo desafiado a traçar objetivos, planos de vida. Enquanto isso, desafiava a equipe a olhá-lo para além do estigma já esperado de usuários de drogas, pois nos desafiava a vê-lo como capaz”, avalia Daniel.
Dia do Desafio
Maria Carolina e Daniel destacam que, desde o combinado, Getúlio demonstrou maiorengajamento no cuidado, alimentando-se bem e participando das atividades, pois não queria decepcionar. Quando o dia 20 chegou, ele aguardava ansiosamente em casa. Para a atividade, recebeu uma camiseta de competição de Daniel, além de uma garrafa de água. Também vestiu roupas adequadas, calçou seus tênis, alongou-se e seguiu para o destino
combinado. Fazia calor naquela manhã no bairro do Grajaú, em São Paulo (SP).
Ambos fizeram aquecimento e partiram para percorrer a distância de cerca de 8 km em 55 minutos, sem nenhuma intercorrência. Feliz, Getúlio sorriu o tempo todo, enquanto Daniel filmava e fotografava todo o percurso e a grande vitória dos dois. Ao chegarem no Caps AD, ambos foram recebidos pela equipe e usuários com palmas e muita emoção.
“Para mostrar que ainda tinha fôlego para mais, ele fez exercícios de barra fixa no portão do CAPS AD, onde recebeu uma medalha e cumprimentou sua referência técnica da equipe. Tirou fotos como vencedor e saiu do CAPS AD correndo, pois aquele era seu dia de fazer o jantar da casa’”, conta Maria Carolina.
Grande Ajuda
Ela explica que a Reabilitação Psicossocial ocorre quando uma pessoa em situação de rua e com uso abusivo de drogas busca um serviço como o CAPS AD e é vista para além do uso de substâncias. “Nosso desafio não é cessar o uso de substâncias psicoativas, mas sim encontrar um fio condutor que dê sentido à vida das pessoas, utilizando toda a rede intersetorial. Quando alguém não tem mais nada a perder, a droga acaba sendo a única
fonte de prazer e relaxamento. Retirar isso sem oferecer nada em troca é um objetivo fadado ao fracasso”, avalia.
No caso específico de Getúlio, a gerente do CAPS AD Cidade Ademar avalia que foi oferecida escuta, acolhimento e a construção de um projeto de vida com potência, esperança e segurança. “Olhamos para ele além do sintoma, de sua doença. Vimos alguém capaz, e isso faz toda a diferença. Fomos desafiados por ele e o desafiamos. Getúlio não teria conseguido correr se não tivesse um local para se alimentar e dormir com segurança. Provavelmente não teria conseguido cessar seu uso de drogas se não tivesse sido desafiado”, avalia.
Por fim, Daniel revela que este foi apenas o começo da história com Getúlio. “Descobrimos mais sobre ele a cada dia. Agora, Getúlio está inscrito nas provas de atletismo da Copa da Inclusão e o desafio será ainda maior. Ele continua em acompanhamento, revisou recentemente seu projeto terapêutico singular e traçou novos planos, para nós e para ele”, conta.